O homem cego

Comemoraram-se, neste ano de 2006, os 50 anos da data que se considera o nascimento da Inteligência Artificial. Por essa altura, faz agora cinco décadas, eram imensas as nossas expectativas na promissora área que então nascia. Quem hoje vê um filme dessa altura não pode deixar de sorrir e pensar “quão ingénuos que nós éramos!”. Afinal, chegámos acreditar que no final do século passado teríamos em casa robôs que fariam tudo por nós, e que grande parte do nosso tempo seria dedicado ao lazer, visto que as máquinas fariam tudo por nós.

E, afinal, o que é que aconteceu? Evoluímos muito, ninguém o nega, mas não só estamos muito longe do paraíso em que acreditávamos como, pior, hoje duvidamos dele. A nossa maturidade tecnológica demonstrou-nos essencialmente duas coisas: 1) que a nossa capacidade de desejar será sempre superior àquilo que a tecnologia nos proporciona em cada momento; e 2) que a inteligência artificial não era propriamente a panaceia para todos os nossos males, logo ali ao virar da esquina.

O primeiro ponto, a nossa ilimitada capacidade de desejar, não é exactamente um problema do foro científico, ou que seja da competência ou responsabilidade da ciência resolver. É uma característica civilizacional, possivelmente mesmo humana. Em última análise talvez só possa ser abordado politicamente.

O ponto 2) é mais interessante para nós, mas, pela sua complexidade, e eu iria restringir a questão a: porque é que não temos ainda robôs em casa?, que é o que realmente interessa. Ainda assim a resposta é demasiado complexa para poder ser aqui bem formulada, por isso eu foco apenas dois pontos: a) simular a inteligência humana é realmente uma tarefa árdua; e b) a Inteligência Artificial persegue um alvo móvel.

Quanto ao ponto a), eu costumo muitas vezes fazer o paralelo entre um robô e um homem cego. Nós desenvolvemos muitos e bons sensores, muitas técnicas para filtrar e processar informação, mas a verdade é que a informação de que dispomos para guiar um robô não deixa de ser ainda muito limitada – e se é limitada para guiá-lo, quanto mais para ensiná-lo a desempenhar tarefas tão simples como servir um chá ou varrer o chão da sala. Um robô actualmente é ainda uma máquina muito limitada, tanto na informação que consegue receber do meio ambiente como na maneira como consegue interagir com esse mesmo meio.

Quanto ao ponto b), a verdade é que temos de admitir que não sabemos sequer o que é a inteligência, quanto mais simulá-la! Um só exemplo: há 50 anos nós achávamos que um computador que conseguisse ganhar a um homem no xadrêz seria o máximo, e, portanto, inteligente. No entanto, quando percebemos que jogar bem xadrêz não passa de executar bem um conjunto de regras, e as implementámos, achamos que isso não é verdadeiramente a inteligência, mas tão somente um conjunto de regras. E nestes 50 anos da Inteligência Artificial o alvo tem sido sucessivamente mudado à medida que os problemas vão sendo ultrapassados, de forma que o robô (ou computador) inteligente, em vez de estar mais próximo, parece é cada vez mais distante.

Significa isto que nunca vamos ter em casa um robô para despejar o lixo e preparar o pequeno almoço, da mesma forma que nós o conseguimos fazer? Eu diria que a essa pergunta ninguém pode, actualmente, responder. Prenda para o Natal garanto que não é, mas, como por vezes se diz, certos na vida só a morte e os impostos.


Jornal de Oliveira nº 95, 6 de Dezembro de 2006



Este artigo pode ser reproduzido total ou parcialmente, desde que seja referido o endereço: http://www.tecnociencia.etikweb.com/index.php?article_id=13

Inserido em: 2007-10-17 Última actualização: 2007-12-01

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