Segredo não é alma de negócio

Uma coisa que invariavelmente se associa à Informática é a pirataria: programas informáticos, filmes, músicas, fotos e outros documentos, tudo é alegremente pirateado nos tempos modernos. Às vezes ainda um filme não foi oficialmente lançado e já milhares ou milhões de pessoas o têm nos seus computadores. Dizem as editoras que perdem milhões com a pirataria. Mas o problema não é só na informática. Para os livros em papel o cenário é parecido.

Editoras, produtores, mesmo governos, têm feito os possíveis e imaginários para impor a ordem, mas o problema parece impossível de conter. A pirataria continua a existir e a proliferar. Os editores inventam sistemas de bloqueio e chaves de segurança que são quebrados quase no dia a seguir àquele em que são lançados no mercado. No caso do mundo artístico, especialmente da música, muitas vezes nem os próprios autores parecem respeitar a lei, e lançam livremente na Internet músicas e filmes. Em resumo, os direitos de autor parecem andar sem rei nem roque.

O que está errado aqui? Muito provavelmente, as leis.

Estranho? Ora veja-se: as leis de protecção dos direitos de autor foram criadas muito antes da era da Informática. Fazem sentido aplicadas a empresas. Quando transpostas para o consumidor individual, são de aplicação muito difícil, para não dizer impossível. A lei que proíbe a cópia não autorizada foi criada a pensar nas editoras de livros de há dezenas de anos. Nessa altura duplicar o que quer que fosse era caro e moroso. Portanto, quando uma editora obtinha sucesso num livro, havia que protegê-la da concorrência. Era uma luta entre gigantes. Cada infracção era fácil de identificar e penalizar. Mas a Informática veio mudar tudo isso. A cópia digital é fácil, barata e não perde qualidade. Quase cada família nos países desenvolvidos tem um computador, um gravador de DVD, uma ligação à Internet para descarregar cópias do que quer que seja de qualquer parte do mundo, um scanner ou multifunções que faz cópias de livros imediatas e a custo reduzido. A cópia hoje praticamente não tem custo, nem requer mão-de-obra especializada. Por isso, poucos utilizadores estarão dispostos a pagá-la. Onde se aplicam os velhos direitos de autor aqui? Simplesmente não aplicam. Centenas de empresas são difíceis de controlar, milhões de infractores são impossíveis de punir. Portanto, a lei não se aplica. E se não se aplica, não funciona e deve ser mudada.

Os direitos de autor na era da Internet precisam de ser revistos. A proposta pioneira já data dos longínquos anos 90 do século passado. Foi feita por Richard Stallman, um físico ligado à origem do conceito de Software Livre. Stallman propôs duas licenças inovadoras, uma específica para o software (General Public License) e outra para documentação (Free Documentation Licence). A ideia subjacente a estas licenças é simples: o utilizador pode fazer as cópias que quiser e fazer o que quiser com essas cópias, desde que indique quem é o autor original. Pode até mesmo distribuir cópias, desde que garanta a quem adquiri-las as mesmas liberdades. Note-se que o preço é outra história. O autor ou os distribuidores podem cobrar ou não – é um problema à parte.

As implicações destas novas licenças são imensas. A informação flui muito mais rapidamente. O autor está consciente de que é reconhecido, que o seu trabalho é livre de fluir muito além do que os moldes antigos permitiam. O retorno económico também é agora diferente. O embaratecimento da cópia tornou-a uma fonte de receita não fiável. Os produtores de software podem ter receitas da assistência técnica, bem como usar o código de outros profissionais sem ter de reinventar a roda. Os artistas podem obter reconhecimento muito mais imediato e procurar receitas em actuações. Os livros devem ser agora muito mais pequenos e para consumo imediato. Em breve talvez existam apenas em formato electrónico.

Estranho? Talvez apenas diferente.

Jornal de Oliveira nº 149, 10 de Janeiro de 2008 




Este artigo pode ser reproduzido total ou parcialmente, desde que seja referido o endereço: http://www.tecnociencia.etikweb.com/index.php?article_id=26

Inserido em: 2008-01-09 Última actualização: 2008-01-09

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