Computador... é coisa do passado!

Não é esse com certeza o sentimento generalizado, nem a afirmação pode ser tomada à letra. Mas não deixa de ser verdade que o computador, tal como o conhecemos, pode estar a tornar-se inevitavelmente obsoleto, ou perigosamente diferente da nossa concepção.

Dir-se-á que para as massas há duas grandes definições de «computador»: uma como «máquina inteligente», que faz «tudo o que a gente quer»; outra como «máquina estúpida», que só faz aquilo que é programada para fazer. Mas não passa pela cabeça a ninguém que «computador» seja muito mais do que isso, mais do que a inofensiva caixa que liga quando se carrega no botão, tem um programa onde se fazem textos e outro onde se navega na Internet, e mais uns quantos botões que nunca ninguém utiliza.

Claro que toda a gente sabe que ao fim de 2 anos o computador está ultrapassado e é preciso comprar um novo, mas nem é aí que está a génese da revolução. Essa surge quando o YouTube é um dos sítios mais valiosos do mundo, onde milhões de utilizadores colocam os seus vídeos para partilha. Ou quando milhões de pessoas partilham os seus trabalhos artísticos no deviantART. Ou quando milhões de pessoas confiam as suas mensagens de correio electrónico ao Gmail, sabendo que o Google as analisa em busca de padrões que revelem as preferências e gostos pessoais dos utilizadores. Ou quando armazenam os seus documentos de texto e folha de cálculo no Google Docs. Aos poucos, os computadores tornam-se simples terminais que mais não fazem (nem precisam de fazer) do que permitir a ligação à Internet. O resto, é online que se encontra.

Outlook Express ou Thunderbird? Obsoletos. A moda é Gmail. Microsoft Office ou OpenOffice? Obsoletos. A moda começa a ser Google Docs. Photoshop ou Paint Shop Pro? Google Picasa. E lentamente os documentos e informações, por pessoais ou íntimos que sejam, passam da privacidade do nosso lar, ou das nossas empresas, para algures no mundo virtual. É mau? É bom? Compete a cada um decidir por si, mas a tendência está aí. E o problema nem sequer é inesperado. Há anos que se fala nisso.

Por um lado, a facilidade de aceder ao e-mail e restantes documentos em geral, em qualquer parte do mundo, sem ter de carregar com eles, é uma vantagem inegável. Basta saber um login e uma password, que se guardam confortavelmente na memória. O resto está algures no desconhecido, mas omnipresente. Por outro lado, que é feito da nossa privacidade? Podemos confiar os nossos documentos sem reservas? E deixá-los transitar livremente pela rede, com inegável risco de serem interceptados?

Mais do que nunca, o Big Brother, o mundo de Orwell, pode acontecer a qualquer momento. A tecnologia já o permite, embora seja tudo uma questão de escala. Mas, mais uma vez, o problema não reside na tecnologia. Reside em nós. Antes da tecnologia eram os bufos, mas o Big Brother acabava por ser possível na mesma, embora de forma diferente. A informatização deu ao problema novos contornos, não o criou. O problema parece, isso sim, ser nosso. Uma das grandes virtudes (ou defeitos?) da ciência e da tecnologia é que não são intrinsecamente más, nem boas. São apenas ferramentas. As pessoas que as usam é que podem ser boas ou más, ou fazer delas um uso correcto ou incorrecto.

O Google não passa de um algoritmo de pesquisa bastante sofisticado. Tão sofisticado que parece que «adivinha» o que nós queremos. E tanto «adivinha» o que nós queremos como o que quer o nosso melhor amigo, o nosso pior inimigo, um cientista ou um assassino, um democrata ou um ditador. Tal como as outras invenções e descobertas, somos nós, humanos, com todos os nossos defeitos e virtudes, que iremos decidir o futuro. Um cientista descobriu como libertar a energia atómica, militares decidiram criar a bomba atómica e políticos usá-la. Cientistas descobriram como voar, militares equipam os aviões com bombas, políticos decidem quando usá-las. O conhecimento só por si não é pernicioso. O que historicamente parece pernicioso são as opções tomadas em posse desse conhecimento. E parece que estamos condenados a tomar quase tantas incorrectas como correctas. Curiosamente, quem toma geralmente as decisões mais catastróficas não são as pessoas detentoras de maior conhecimento, mas as de menor. Haja esperança então, num mundo mais esclarecido!

Jornal de Oliveira nº 154, 14 de Fevereiro de 2008 




Este artigo pode ser reproduzido total ou parcialmente, desde que seja referido o endereço: http://www.tecnociencia.etikweb.com/index.php?article_id=29

Inserido em: 2008-02-20 Última actualização: 2008-02-20

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