Eliza e a estupidez artificial

Morreu em Março passado Joseph Weizenbaum, um dos mais famosos cientistas na área da Inteligência Artificial e pai de Eliza, a sua mais famosa criação. O seu livro “O poder do computador e a razão humana” é um marco incontornável para investigadores e público em geral interessado na área das Mentes Artificiais1.

Weizenbaum tornou-se famoso nos anos 60 do século XX, uma altura de grande euforia e confiança quase cega no poder da máquina, que então florescia e ultrapassava novas marcas a cada dia, redobrando e consolidando as esperanças, nem sempre sólidas, de ficcionistas e investigadores. Foi precisamente em 1965 que Weizenbaum criou a Eliza, demonstrando o que alguns chamam de “estupidez artificial”.

Eliza é um programa informático bastante simples, que “conversa” com o utilizador simulando a função de um psicanalista. O algoritmo é tão pequeno que é implementável em 100 linhas de código, e baseia-se num princípio ridiculamente simples: responder sempre com uma pergunta ou frase que tenha alguma relação com o que o utilizador escreveu, ou “inócua”. Para determinar a relação com o que o utilizador escreve, Eliza procura palavras-chave, como “mãe”, “família” e “irmão”. Se nenhuma das palavras-chave for encontrada, então Eliza apresenta uma expressão neutra, como “Conta-me mais”, ou “Fala-me mais sobre ti”.

Ao criar Eliza, Weizenbaum pretendia demonstrar que a Inteligência Artificial não é necessariamente baseada num raciocínio elaborado, mas pode tão somente ser a ilusão de uma Inteligência, criada pela mente humana. O cérebro humano antropomorfiza naturalmente. Vemos pessoas em sombras ou em relevos esculpidos pelas forças da natureza. Interpretamos obras de arte, lemos intenções nas faces de outros, nas suas acções ou expressões. E quando lemos uma frase debitada por um programa informático, continuamos a fazer o mesmo raciocínio, como se essa frase fosse debitada por um ser humano, com uma intenção, uma história, um saber acumulado – não estamos simplesmente preparados para interpretá-la como aquilo que é: uma frase sem intenção, produzida por um algoritmo que não tem emoções, não tem conhecimento, não tem uma história, nem cultura, nem tradição. Uma frase que a máquina debita sempre e invariavelmente na mesma situação. Uma “estupidez artificial” que dá a ilusão de uma “inteligência artificial”.

Eliza aproveitava de forma astuta a nossa tendência natural para antropomorfizar. E tão bem que muitas das pessoas que conversaram com ela acreditariam tratar-se de um(a) psicanalista com real conhecimento e consciência da conversa – muito embora a conversa de Eliza seja quase aleatória, uma vez que é conduzida pelo aparecimento de palavras-chave nas expressões introduzidas pelo utilizador. Ainda assim, era convincente o bastante para mesmo alguns psicólogos e psicanalistas acreditarem ser possível ter programas deste género a... consultar pessoas, substituindo o habitual terapeuta.

Mas o trabalho de Weizenbaum não teve exactamente o impacto que o autor esperava, ou pretendia. A euforia dos anos 60, e a confiança na tecnologia, não esfriaram por isso – nem tão pouco Eliza foi interpretada como era intenção do autor.

A visão crítica de Weizenbaum, contudo, é um marco que ficou definitivamente plantado. Não tanto como um obstáculo à progressão da Inteligência Artificial, mas tão somente como uma forma de clarificar os seus limites. Aquilo que nós fizemos não foi verdadeiramente criar uma nova Inteligência – foi, isso sim, redefinir o conceito de Inteligência para qualquer coisa mais alcançável. Os nossos computadores não têm consciência do mundo, mas funcionam de forma que a nossa consciência não se apercebe disso. Isto significa que, em rigor, estaremos na estrada errada para construir máquinas como nós. Aparentemente inteligentes, sim, mas assentes em princípios tão díspares dos que regem a mente humana que são mais estupidez do que inteligência artificial – a inteligência que reconhecemos como verdadeira, essa continua a estar circunscrita à mente humana.


1 “Computer power and human reason”, traduzido para português conforme citado e publicado pela Edições 70. Embora escrito nos anos 60, é um livro bastante actual e fácil de ler, mesmo para leigos.

 

Jornal de Oliveira nº 169, 29 de Maio de 2008 



Este artigo pode ser reproduzido total ou parcialmente, desde que seja referido o endereço: http://www.tecnociencia.etikweb.com/index.php?article_id=32

Inserido em: 2008-05-28 Última actualização: 2008-05-28

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