O Sapo e a verdade

Segundo palavras do filósofo alemão Arthur Schopenhauer, toda a verdade passa por três fases: primeiro é ridicularizada; depois violentamente atacada; por fim, é aceite como evidente [1]. Diz o provérbio que quem ri por último ri melhor, mas nem sempre os detentores da verdade têm sequer tempo de rir, quanto mais de rir melhor! Pense-se no famoso cientista Galileu, por exemplo. A história veio a dar-lhe razão. A sua teoria de movimento dos planetas não era nada intuitiva para o conhecimento da época, que sustentava que a Terra era o centro do Universo e todos os restantes astros giravam à volta dela. Além disso, a interpretação das escrituras sagradas indicava precisamente isso. Galileu descobriu que modelar o Sol como o centro e a Terra a girar à volta dele seria muito mais fácil e coerente com o que realmente acontece. Esta é a verdade actualmente aceite, uma verdade “mais do que evidente”. No entanto, a contas com a Inquisição Galileu teve a vida em risco. Negou a sua própria verdade e escapou à morte, mas acabou por viver os seus últimos dias em prisão domiciliária – ciência, a quanto obrigas!

 

Mas nem sequer é preciso fixar os olhos nos tempos de Galileu Galilei para encontrar exemplos das três fases da verdade. Quanto a isso, a Humanidade será incorrigível, se de um defeito se trata.

Durante muitos séculos pensou-se que os barcos não poderiam ser de metal. O metal é mais pesado do que a água, não flutua. Logo, não seria possível construir um barco de metal. Por isso, durante muito tempo, mesmo os grandes navios eram construídos de madeira. Mesmo os navios de guerra que tinham partes metálicas como forma de protecção ou ataque tinham a estrutura em madeira, que era o material mais abundante, resistente e barato com as características que se pretendiam para um barco na altura. Instrumentos metálicos existem há muitos séculos, basta pensar em espadas, escudos e lanças. Mas pensar em construir um barco em metal era ridículo, não era evidente que se afundava? No entanto, alguém um dia demonstrou o contrário. O importante não é o peso do corpo, mas o volume de água que desloca. Portanto, não importa apenas o material usado, mas também o volume do objecto. Assim, a construção de barcos metálicos passou a ser uma verdade mais do que aceitável, evidente.

Muito próximo do exemplo do barco de metal é o do avião. Durante muitos anos acreditava-se não ser possível que um objecto mais pesado do que o ar voasse. Bem, os pássaros voavam e são mais pesados do que o ar, mas isso permanecia um mistério não muito bem compreendido. Mais uma vez a ciência resolveu o mistério. Bastou compreender que a diferença de pressão acima e abaixo de um objecto poderem ser suficientes para a sua sustentabilidade – é uma questão de forma e velocidade. Afinal, pode haver ainda muita gente com medo de voar, mas pelo menos já ninguém se espanta que um avião voe sem cair. Muito embora de permeio não tenham sido poucos os cientistas “loucos”, desde o próprio Ícaro que, segundo a mitologia grega, perdeu a vida a voar com asas de cera e penas muito perto do sol.

Seja como for, as três fases da verdade aplicam-se ainda hoje e em vários campos, nem só na ciência. Veja-se na política, por exemplo, onde são o pão nosso de cada dia as verdades que são primeiro ridicularizadas, depois violentamente atacadas, e por fim consideradas evidentes, se não morrerem entretanto.

Mas talvez seja até melhor assim, que a verdade surja em três fases. Para além de ser uma coisa que parece característica da nossa natureza humana, talvez seja mais fácil por ser mais progressivo. Uma experiência muito pouco ética mas que ilustra claramente o fenómeno é a do sapo na panela. Se se colocar um sapo numa panela quente o bicho salta de imediato. Mas se se colocar numa panela fria e se aumentar a temperatura gradualmente, consta que o sapo muito provavelmente se vai deixar ficar quieto até eventualmente morrer. Uma variação brusca da temperatura fá-lo reagir. Mas uma variação gradual nem sequer é percebida, ou se é percebida, pelo menos não é interpretada como potencialmente perigosa. A verdade, ao surgir em três fases, é também muito mais fácil de ser digerida e aceite. Assim como qualquer inovação ou mudança: se for brusca é muito mais susceptível de sofrer oposição e resistência. Mas se for progressiva, ninguém dá por ela ou, mesmo que a perceba, lhe liga importância.

 

[1] http://www.quotationspage.com/quote/25832.html

 



Este artigo pode ser reproduzido total ou parcialmente, desde que seja referido o endereço: http://www.tecnociencia.etikweb.com/index.php?article_id=39

Inserido em: 2009-01-02 Última actualização: 2009-01-02

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