Duzentas mentiras por dia

Uma pessoa “normal” diz até 200 mentiras ao dia. Essa é, pelo menos, a conclusão de um estudo realizado recentemente por investigadores da Universidade de Viena, Áustria [1]. De um outro estudo, nos Estados Unidos da América, o The Old Farmer's Almanac conclui que um Americano diz em média 26 mentiras por dia [2]. No Reino Unido, por sua vez, o Daily Mail afirma que a cifra se situa nas seis mentiras por dia para homens e três da parte das mulheres [3]. Seja qual for a média em Portugal, o número não há-de deixar de impressionar caso alguém decida um dia tirar a limpo a quantidade de mentiras que por cá se diz.

Os resultados não significam necessariamente que os Austríacos mentem mais do que os Americanos, nem tão pouco que os Ingleses são gente séria comparados com os primeiros ou os segundos. Há muito que se diz, pelo menos nos meios académicos, que há três tipos de mentiras: as mentiras, as mentiras pérfidas e as mentiras estatísticas. Ora, para estes estudos sobre quantos embustes monta uma pessoa por dia, devia contar tudo. Não importa o tipo de mentira, importa apenas se a pessoa disse a verdade ou não. No entanto, a fronteira entre a verdade e a mentira não é tão claramente definida como à partida se possa pensar. Essa fronteira é tão ténue que por vezes é difícil saber de que lado se está. E alguns tipos de mentiras são tão comuns, estão tão banalizados e popularizados que o difícil é evitá-los e ficar adstrito à verdade.

Quando alguém chega e cumprimenta “Olá, estás bom?”, a resposta tipicamente é positiva. Faz parte das regras sociais responder “Tudo bem”, mesmo que isso não corresponda à verdade. Responder de outra forma a maior parte das vezes será visto como rudeza ou pieguice. É preferível enganar, esconder, omitir, fingir. Faz parte das regras do jogo da convivência social, é uma mentira “mentira”, não é uma mentira pérfida. Num dia menos feliz em que uma pessoa cumprimente casualmente muita gente, cada pessoa soma uma ao número de mentiras. Mas é mesmo assim, faz parte da natureza humana. Claro que algumas pessoas sentir-se-ão mais inclinadas para mentir do que outras. Jogadores, por exemplo, precisarão de fazer 'bluff', 'mentir', com regularidade, para terem melhores hipóteses de ganhar os jogos. O mesmo acontece quando alguém oferece uma prenda e pergunta “Gostas?”. É muito indelicado responder que não. A convenção é que se responda que sim, mesmo faltando à verdade, para não ferir sentimentos de quem oferece. É outra mentira “mentira”, não há mal nenhum nisso.

As mentiras próprias também deviam contar para o estudo. Quando alguém tenta convencer-se, por exemplo, que mais um quadrado de chocolate não faz mal, sabendo que faz, está a mentir a si próprio. Também conta para a estatística. O mesmo quando se olha pela janela na tentativa de justificar que o tempo está demasiado mau para sair, porque o sol até brilha mas há umas nuvens pretas lá para norte, ou quando alguém se diz que se exercitou o suficiente ao fim de 10 minutos e nem sua, etc., etc. Essas mentiras também contam para o número, não deixam de ser inverdades declaradas, ainda que ao próprio.

Por outro lado, a vida sem a mentira devia ser uma grande chatice. O filme “A Invenção da Mentira”, de 2009, é uma caricatura que vale a pena ver. Retrata uma sociedade onde as pessoas não sabem mentir. A mentira nunca tinha sido inventada, portanto as pessoas dizem incondicionalmente a verdade, independentemente das consequências. Fazem-no tão incondicionalmente que nem a ficção existe. Os livros, os filmes, são retratos fieis da realidade presente ou passada. A falta de confiança não existe, porque não há como duvidar da palavra de uma pessoa. Isto leva, obviamente, a situações por vezes rudes, por vezes caricatas ou mesmo hilariantes. Toda a gente diz a toda a gente aquilo que pensa, por mais indelicada que seja a verdade. O banco jamais ousará duvidar do cliente que diz que tinha X saldo bancário. Uma mulher feia é uma mulher feia e pronto. Um trabalho mal feito é sempre um trabalho mal feito, independentemente de quem o fez. A não perder, para quem ainda não viu.

 

 

[1] http://www.shortnews.com/start.cfm?id=2738

[2] http://www.elitefitness.com/forum/chat-conversation/average-174334.html

[3] http://www.dailymail.co.uk/news/article-1213171/Men.html

 



Este artigo pode ser reproduzido total ou parcialmente, desde que seja referido o endereço: http://www.tecnociencia.etikweb.com/index.php?article_id=52

Inserido em: 2011-01-02 Última actualização: 2012-09-10

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