O encanto da guerra

No meio de toda a brutalidade, barbárie e horror, pelo menos um ponto positivo temos de reconhecer a um comportamento tão repugnante como o da guerra: uma boa parte das vezes, é benéfico para o progresso tecnológico.

Como diz a sabedoria popular, a necessidade aguça o engenho, e é isso que acontece em situações de conflito. Desde os tempos mais remotos que os militares procuram desenvolver artefactos, ferramentas e equipamentos para diversos fins. Por um lado, a sua própria protecção e segurança, bem como comunicação eficaz e discreta com os seus pares. Por outro lado, formas de interceptar e interpretar as comunicações do oponente, bem como... eliminá-lo ou causar-lhe os maiores estragos possíveis. Estes objectivos levam à realização de afincados e rigorosos estudos, que resultam normalmente em tecnologias e conhecimentos relativamente simples, eficazes e poderosos. Roupas e fardas resistentes para protecção da soldadesca; estudos sobre o movimento dos projécteis, por razões óbvias; lentes e óptica em geral, tão importantes para vigiar o inimigo; aeronaves versáteis, bem como instrumentos de navegação; veículos todo-o-terreno; etc., etc.

A parte boa é que muitos destes conhecimentos, mais cedo ou mais tarde, acabam por escoar para o domínio público. A própria Internet, que está a revolucionar a forma de comunicação e interacção das sociedades modernas, é disso um exemplo paradigmático. Tudo começou com a Gerra Fria, entre os Estados Unidos da América (EUA) e a ex União de Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Temendo que um ataque fulminante da URSS ao Pentágono destruísse rapidamente informações cruciais e a capacidade de resposta do país, os norte-americanos decidiram criar uma rede interna de comunicação baseada na linha telefónica então existente. Sucintamente, a primeira “Internet” era constituída por alguns computadores ligados em permanência através da linha telefónica. Muito rapidamente foi então desenvolvido o primeiro protocolo de comunicação usado em grande escala (TCP/IP), no qual assentam a actual rede de computadores mundial, as nossas mensagens de e-mail, pesquisas na World Wide Web, ficheiros que trocamos com colegas e amigos, bem como mil e uma outras coisas que dificilmente poderiam ser imaginadas por quem nos anos 60 só queria ter um meio de comunicação disponível, caso a URSS resolvesse aniquilar o Pentágono.

Outro exemplo famoso e importante vem do Nazismo. Segundo a doutrina Nazi, Judeus eram seres inferiores. Portanto, eram legítimas as maiores atrocidades e crimes de que há memória, desde que cometidos contra Judeus. Todo o género de experiências médicas e científicas que precisassem de testes práticos em seres humanos foram permitidos, por mais bárbaros que fossem. Muito do que sabemos hoje dos efeitos da corrente eléctrica no corpo humano, ou outros limites da nossa resistência física, resulta do sacrifício de muitas vidas na Alemanha de Hitler.

Não quer isto dizer que a guerra seja uma coisa boa, ou sequer justificável de uma forma geral. Dirão muitos pacifistas que não há guerras justas. Mesmo que seja justa uma guerra para um Chefe de Estado que pretende defender ou aceder a determinado recurso natural, a que acha que tem direito segundo qualquer linha de raciocínio, certamente que não o é para o soldado que sofre na pele a tortura, as privações, a dor, a mutilação, a morte. E muito menos para a esmagadora maioria das populações, que sofre ao ver as suas casas e famílias destruídas, muitas vezes sem conseguir compreender sequer as razões de tanto ódio. Por mais que se sublime a arte de matar e destruir, não há guerras sépticas como às vezes pretende mostrar a televisão.

Infelizmente, a guerra parece fazer parte da natureza humana. E é de tal forma assim que basta olhar para a nossa história e perde-se qualquer réstia de esperança de paz no mundo. A história é feita de guerras e batalhas, conquistas e vitórias. Raramente se fala nas derrotas, mais raramente ainda na dor dos inocentes. As guerras mais mortíferas de todo o sempre terão sido as I e II Guerras Mundiais.

Note-se, em jeito de conclusão, que a ciência é, tão simplesmente, a explicação das coisas, a procura da verdade e do conhecimento. A forma usada para atingir esse conhecimento, a interpretação e o uso dele, são para além da ciência em si. Por isso mesmo também é que não faz sentido, e é mesmo contraproducente, uma escola despida de moral e ética. Só com uma escola abrangente, capaz de formar indivíduos completos e de sólida formação ética e humana, conseguiremos entender que os conflitos serão mais bem resolvidos com palavras à mesa das negociações do que com bombas nas casas dos inocentes.

 

Jornal de Oliveira n.º 147, 20 de Dezembro de 2007

 



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Inserido em: 2007-12-20 Última actualização: 2008-01-09

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