Máquinas como nós

Um dos temas mais apaixonantes desta era tecnológica é, sem dúvida, a possibilidade de construirmos máquinas inteligentes – máquinas como nós. Afinal, é isso que nos promete a Inteligência Artificial, desde que há cinquenta anos foi criada e lançada numa conferência em Dartmouth, na Alemanha. Ou melhor: é isso que a ficção científica nos promete, desde que há mais de 50 anos foi inventada. A conferência de Dartmouth reuniu os melhores especialistas de então na área, e limitou-se a consolidar o que já estava criado: uma nova e promissora área de investigação, a Inteligência Artificial (IA), que hoje continua dentro da Engenharia Informática. Como acontece em toda a investigação de topo, a IA entrecruza-se inevitavelmente com outras áreas, desde a robótica à linguística, para processamento de língua natural, à neurologia e à psicologia, para estudo do cérebro humano.

Há 50 anos as expectativas eram imensas. Mas, como é sabido, a concretização foi bastante reduzida. Invocando o ditado popular, dir-se-ia que “a montanha pariu um rato”. Isto deixa descansados os mais pessimistas, que acreditam que um mundo Matrix poderia ser uma inevitabilidade, se a evolução da IA fosse suficientemente rápida: um mundo em que máquinas como nós estariam connosco lado a lado, e poderiam mesmo acabar nos subjugar. Como na famosa triologia do filme Matrix, máquinas inteligentes competiriam connosco primeiro e, numa lógica Darwiniana pura, a sua melhor e/ou mais rápida adaptação ao meio conduzir-nos-ia a um mundo em que a nossa extinção poderia ser uma realidade. Os nossos sucessores não seriam os nossos filhos biológicos, mas os nossos filhos intelectuais, as máquinas por nós criadas, ou as máquinas criadas pelas nossas próprias máquinas.

Será isto possível? Ou provável? Até agora, o futuro tem dado razão aos mais cépticos. As nossas criações não passam de meros esboços de uma ou outra das nossas características. Temos robôs que andam, que dançam, que falam, que riem, que aprendem, que jogam à bola, que contam anedotas, que inventam anedotas, que provam teoremas, que sabem “de cor” uma enciclopédia, que fazem mil e uma outras coisas. Mas não temos um robô que faça isso tudo ao mesmo tempo. E não temos robôs com o famoso “senso comum” (mas temos alguns a quem ensinaram “senso comum” na forma de regras, o que, com boa vontade, poderá ser considerado a mesma coisa).

Mas quererá então isto dizer que nunca conseguiremos construir máquinas como nós? Bom, talvez afirmar isso seja, também, ir longe demais. Podemos não ter evoluído tanto como os ficcionistas sonharam, mas a evolução da Informática, da Inteligência Artificial, da Robótica, não é propriamente menosprezável. Tem sido sólida e contínua. Por vezes com grandes saltos, geralmente com avanços de pequenos passos. Quem subscrever uma lista de actualidade tecnológica vai, com certeza, dar conta que os progressos são praticamente diários. Em parte por isso mesmo, não falta quem ache que ainda este século poderá acontecer um ponto de viragem, em que os nossos descendentes com cérebro de silício atingirão a supremacia intelectual sobre nós.

E como seria um mundo liderado por máquinas como nós?

Alguns pensadores antevêem uma “natural” guerra entre espécies. Primeiro criaremos as máquinas inteligentes, que nos superarão e criarão outras potencialmente de inteligência ainda superior. Estes seres artificiais rapidamente concluirão que nós, apesar de sermos os seus criadores, mais não somos do que de criaturas imperfeitas, um nível abaixo na escala da evolução. Tentarão, portanto, explorar-nos, usar-nos, ou provocar a nossa extinção numa eventual luta por recursos naturais que poderão escassear (água, energia, etc.). Um processo de competição natural, que pode desencadear uma guerra inédita e mesmo global.

Outros mesmos pensadores são bastante mais optimistas. Nós, humanos, somos naturalmente dotados de um egoísmo praticamente sem limites. A nossa insaciedade está-nos gravada no cérebro reptiliano, a parte mais antiga do cérebro. A mesma que controla os instintos tão básicos como o alimentar e o reprodutivo. As máquinas, pelo contrário, serão produto do nosso desenho inteligente. Não terão cérebro reptiliano, não terão instintos nem a mesma insaciedade irracional que faz de nós egoístas, belicosos, territoriais. Melhor do que isso: poderão ter indelevelmente gravadas leis como as três leis da robótica propostas pelo conhecido autor Isaac Asimov. Resumidamente, estas obrigam o robô a garantir primeiro a sobrevivência de qualquer humano, depois a obedecer-lhe, e só depois a garantir a sua própria sobrevivência. Estas leis, tendo de ser seguidas por esta ordem e antes de quaisquer outras, fariam qualquer robô um nosso subordinado, incapaz de qualquer comportamento nocivo a um humano, durante o seu estado normal de funcionamento. Apenas um senão: as máquinas, como nós, também têm um tempo de vida, e estão sujeitas a disfunções. A ficção também não se tem cansado de nos mostrar situações em que um robô disfuncional se reproduz incontrolavelmente e tenta o temido pesadelo que é domínio da raça humana. Ou situações em que um humano cria intencionalmente máquinas que não têm embutidas as três leis da robótica de Isaac Asimov.

Enfim, no meio da dúvida, fica a certeza de que, como até aqui, a ciência, só por si, apenas procura descrever a realidade e encontrar a verdade. O uso que fazemos dessas descrições, dessa verdade encontrada que passamos a dominar, é uma responsabilidade 100% humana.

 

 

Jornal de Oliveira nº 142, 15 de Novembro de 2007

 



Este artigo pode ser reproduzido total ou parcialmente, desde que seja referido o endereço: http://www.tecnociencia.etikweb.com/index.php?article_id=23

Inserido em: 2007-11-15 Última actualização: 2007-12-01

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