Democracia virtual

Os atletas olímpicos já não competem nus, e a democracia actualmente já não é directa mas representativa. No entanto, 2500 anos depois, os legados da Grécia antiga na civilização ocidental moderna são de valor inestimável.

A tão actual democracia teve, na realidade, origem na mesma civilização que nos legou o teorema de Pitágoras e a lição de humildade do Sócrates que disse “só sei que nada sei”. Era uma democracia primitiva, muito mais simples do que a actual. Todos os homens (sim, as mulheres ficavam em casa, não se pode querer tudo!) tinham iguais direitos, incluindo o direito à opinião. Por isso, as decisões eram tomadas na praça pública. Excluídos mulheres e escravos, qualquer cidadão tinha o direito de se expressar na praça pública sobre as questões importantes. Educação e capacidade de convencer os seus pares eram, portanto, fundamentais.

Mesmo sendo uma revolução extraordinária nas mentalidades da época, a democracia grega sucumbiu ao império romano. Só voltou a ser repescada muitos séculos depois, de cara lavada e adaptada às características da sociedade moderna. As cidades e países actuais são demasiado grandes para se juntarem todos os homens na praça a discutir e decidir as questões importantes. A democracia directa é impossível. Por isso, tem de ser representativa – os cidadãos (agora incluindo mulheres e abolida a escravatura), escolhem os representantes que vão discutir e votar por eles as questões na “praça”, que entretanto foi também substituída pelos modernos parlamentos.

A democracia representativa devolve algum poder as cidadãos, mas não é de forma nenhuma tão eficaz como a directa. Os cidadãos estão cada vez mais alheados dos seus representantes, e estes cada vez mais alheados dos problemas dos cidadãos. Aliás, os representantes já nem sequer são “cidadãos comuns”, mas sim escolhas entre as suas elites políticas, relativamente polidas e profissionalizadas.

A resolução deste problema não é trivial. Não parece possível voltar a reunir os cidadãos (nem que fossem só os homens ou só as mulheres!) nas praças das cidades para discutir as questões, nem dar a todos formação em retórica e política para as discutirem em pé de igualdade.

No entanto, a tecnologia actual permite sem dúvida “auscultar” todos os cidadãos sobre qualquer tema, ainda que de uma forma relativamente limitada e diferente do confronto de ideias na praça pública. O famoso historiador José Hermano Saraiva já falava nessa possibilidade, e cada vez são mais as vozes, em Portugal e noutros países, a defender ideias nesse sentido.

Tal como já é possível submeter as declarações de rendimentos online, transferir dinheiro e fazer outras operações delicadas de forma simples e segura, não será impossível criar um parlamento virtual em que todos os cidadãos tenham direito de expressão e de voto. Na realidade, já existe software que permite esse tipo de parlamento virtual, com mais ou menos funcionalidades. Há anos que os programadores utilizam ferramentas e metodologias semelhantes para desenvolver software de forma colaborativa, especialmente nas comunidades de software livre.

A Internet, ao ser uma rede de comunicação global, de acesso bastante simples e a custo reduzido, pode funcionar como base a esse suposto parlamento virtual. Desta forma, qualquer cidadão poderia, a qualquer hora do dia e em qualquer lugar, exprimir a sua opinião ou o seu voto sobre qualquer matéria.

A tecnologia existe, agora é apenas uma questão de a usar para reinventar a democracia e devolver o poder aos cidadãos. Em vez do crescente alheamento das populações relativamente à vida política, e do alheamento dos políticos relativamente aos problemas dos cidadãos que os elegem e lhes pagam o salário, um parlamento virtual permitiria auscultar todas as sensibilidades, discutir novamente na “praça pública” todo e qualquer assunto, bem como realizar votações cujos resultados reflectissem directamente a opinião dos votantes, e não dos seus representantes. Vamos ver o que o futuro nos reserva, mas numa sociedade em que tudo é cada vez mais virtual, porque não reinventar também a democracia?

 



Este artigo pode ser reproduzido total ou parcialmente, desde que seja referido o endereço: http://www.tecnociencia.etikweb.com/Article-44-Democracia-virtual.html

Inserido em: 2009-08-30 Última actualização: 2009-08-30

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